O monstro da perfeição

O monstro da perfeição

Ter  filhos é como entrar no mundo invertido – quem assiste a série Stranger Things vai me entender. Uns dizem que VOCÊ MUDA. Outros que VOCÊ ENTRA numa nova fase. Eu acho que os dois pensamentos fazem sentido. Mas para mim acima de tudo uma verdade é certa: a gente ingressa num universo paralelo: o dos casais com crianças pequenas.

Esse universo tem uma infinidade de informações sobre como criar filhos, novos comportamentos e nomes que eu nunca tinha ouvido falar: é a tal da maternidade ativa, o método Montessori, a pedagogia Waldorf, a slingada, a introdução alimentar BLW…

Os filhos dos anos 2000 deveriam vir acompanhados de uma enciclopédia! Ou melhor, de um computador, porque enciclopédia é coisa de gente anos 80 como eu!

E é claro que quando se entra nesse mundo invertido você começa a conviver com monstros dentro da sua cabeça. Para mim, um dos piores deles é o MONSTRO DA PERFEIÇÃO. Ele costuma atacar NOVE em cada DEZ mães! E é meu algoz até hoje.

O MONSTRO DA PERFEIÇÃO ataca cedo, sorrateiro, já na gravidez.  É quando surge aquela enxurrada de detalhes sobre desenvolvimento do feto, alimentação para grávidas, enxoval e por aí vai.

Eu lembro que me questionava: será que estou me alimentando direito para nós dois? Será que faço pilates ou caminhada? Compro dez bodies RN ou P? Parto normal ou cesárea? Qual a diferença entre culote e cueiro, pelo amor?

Era tanta informação nova na cabeça e eu ficava ali, me pressionando para acertar tudo. Queria dar o melhor para o meu filho. E lembro que quando me frustrava com as minhas escolhas, eu desmoronava. Me culpava.

Depois do nascimento do Rafael, continuei alimentando meu MONSTRO DA PERFEIÇÃO regularmente. Tentei até o limite da minha saúde mental a livre demanda na amamentação dele. Com a Clarinha, a minha caçula, foi a mesma coisa.  Se eu me arrependo?  Às vezes, sim. Acho que eu poderia ter pegado mais leve comigo mesma.

Teve também a história de aplicar o método Montessori. Comprei um berço enorme para o meu filho. Aí, após o nascimento dele, descobri o método da pedagoga italiana Maria Montessori. Ela explica que a autonomia da criança deve começar cedo e ser praticada em casa.  Segundo essa teoria, não é necessário berço para o bebê.  Ele pode dormir num colchão. No chão? Sim!  E aí, eu queria jogar o berço do Rafa pela janela!

Depois veio o assunto escolas, babás. Coloquei o Rafael na escolinha com cinco meses de idade. Precisava voltar a trabalhar. Me arrependi. O pequeno viveu doente praticamente todo o primeiro ano de vida dele. Encerramos o final desse ciclo com uma virada de ano na sacada de um quarto de hospital em São Paulo, com o meu filho internado por causa de uma sinusite bacteriana. Me culpei pacas por isso também.

Por isso, com a Clara, fiz das tripas coração para pagar uma babá. Queria protegê-la em casa longe de infecções e viroses. Eu e o meu marido trabalhamos muito para manter o esquema ESCOLA PARA O RAFA+ BABÁ PARA A CLARA. Foi pesado. Foi difícil demais pra todo mundo. E lá fui eu me arrepender e me culpar de novo por essa escolha.

E assim vai, CULPA atrás de CULPA. O MONSTRO DA PERFEIÇÃO me derrotando a cada novo dilema do universo materno.

Dia desses, eu e meu marido fomos com os nossos filhos ao pediatra. O doutor, que sempre nos elogia pelos cuidados com as crianças, chamou nossa atenção por nunca termos levado os dois ao dentista. Cuidamos muito bem dos dentes deles, escovamos depois de todas as refeições e trocamos as escovas deles regularmente.

Mas realmente fomos displicentes por não termos marcado o dentista antes.  Eu já ia começar a minha autoflagelação quando olhei para o meu marido e me dei conta de uma coisa – as nossas origens.

Eu e o Thiago nascemos em famílias de classe média baixa de São Paulo. Não fomos ao dentista quando éramos bebê. Nossas mães são donas de casa que mal completaram o ginásio.  Tinham pouca informação e muito instinto. E era assim que elas exerciam sua maternidade: ouvindo o coração.

Hoje, os pais têm uma sobrecarga de informação disponível sobre como cuidar de uma criança. E isso gera uma pressão maior pela perfeição.

Mas muitas vezes a gente não tem dinheiro para fazer o que acha certo para os filhos. Outras, o problema é a falta de tempo. E algumas vezes, é uma questão de sanidade mental mesmo.

Será que realmente a gente precisa se culpar tanto quando não consegue fazer o que a gente acha melhor para eles? E será que esse tal melhor não é relativo?

Eu acho que existem vários caminhos. Existem várias formas de criação. Nada é perfeito.

Dinheiro e conhecimento não são nada se você não dá seu afeto. Nada, nada vai substituir o colo de mãe. O jogo de bola na quadra, a volta a pé da escola para tomar sorvete. Contar uma história na hora de dormir.

Essas são as lembranças que nossos filhos querem ter. E elas não custam nem um centavo.

Eu sei que manter o MONSTRO DA PERFEIÇÃO domado e quieto é difícil. Praticar uma maternidade possível, sem tantas autocríticas e inquietações é um desafio diário.

Mas eu decidi tentar. Não deu pra brincar com as crianças de manhã? À noite, essa vai ser minha prioridade. O jantar foi pizza? Amanhã, vai ser sopa de legumes. Não os levamos para passear no último fim de semana? Então, vai ter passeio hoje!

Assim, a maternidade tem ficado mais leve pra mim.

E se você tá pensando em conhecer esse mundo invertido dos pais de crianças pequenas, está prestes a entrar ou já tá aqui por algum tempo, saiba, tamo junto! Com menos perfeccionismo, menos cobranças e mais amor.

 

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